sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Êxito.

-Bom dia, aqui é o Rafael, posso lhe ajudar?
-Boa tarde, aqui é o Rafael, o que posso fazer por você?
-Boa noite, é o Rafael, precisa de mim?

Sim. O dia todo, minha vida resumia apenas em conversar. Conversar era meu forte, ajudar, conversar, sufixo adorável este. Fora daquela mini-cabine: um mundo gigante, gritando, saltando chamando minha atenção, com um aviso gigante (in)sinunando :"Me explora! Me descobre! Vem pra mim!" Eu trabalhava (in)cessantemente, sem cansar, goticulando minha vida, com uma medida bem complexa. Na verdade eu trabalhava nos três turnos por não ter mesmo o que fazer. Lá eu ganhava minha vida. Acredita que existem pessoas que te chamam no telefone para desaba(fa)r? Desabar ou desabafar, seja qual você escolheu. É bem isto. Lembro muito de Anne, que me ligou dizendo que ia pular do prédio porque seu marido não queria fazer algo que nem me lembro. Droga! Hora de tomar café, invocar os momentos tristes e alegres e até os que não tiveram emoções. Hora de brincar com as palavras, sem nem mesmo escrevê-las. Hora de escrever no ar. Hora de aceitar o pedido (car)regado de ternura que o mundo me proporcionou. Mas antes, o último telefonema:

-Boa tarde, sou o Rafael, no que posso te ajudar?
-É seu pai Rafinha, acabei de sair da prisão. Tentei quatro vezes ligar pra você, mas os outros atendentes que atenderam.
Pausa para pensamento surpreso:

 Meu pai é a pior pessoa do mundo. Se você (des)conhece a razão, eu te me (en)carrego tristonhamente de dizer: Ele matou minha mãe. Meus pais são separados. E me dói dizer que também sou. Triste destino, Triste ilusão. Sem perder o senso e sem poder ser sem-educação no trabalho, na tentativa cheia de êxito racional ou não eu o respondo:
-Desculpe senhor, mas meus conhecimentos não chegam até onde está seu problema. Lamento. Boa tarde.
Coloquei o telefone no gancho. Minha melhor colega de trabalho notou minha (pre)ocupação cheia de fundamentos. Quem ele ia matar desta vez? Foi então, que cheio de vigor, eu levantei, e dei um abraço em todos os meus colegas de trabalho. Que ficaram ali no mesmo lugar, todas as tardes ou manhãs ou noites comigo. Alguns a todo instante. Disse que ia sentir saudades. E ia mesmo. Era hora de matar uma outra saudade a do mundo. Mas algo não saía da minha mente: Havia um assassino a soltas.  O qual eu não ia perdoar mesmo.
Cheguei em casa, prevendo que o vândalo ia arrombar, pular, invadir, e depois tentar me  persuadir. Nunca ia me convencer de que ele havia mudado. Lembro como se fosse ontem, as humilhações, os delírios que ele me fez provar. Como eu ia dizendo, cheguei em casa, abri a porta, e o vi sentado no sofá. E então o comprimentei:
-Olá, assassino!
-Filho, não me trate assim. A prisão serve para isto. Ficamos lá para (re)fletir, e quando saímos, estamos diferentes.
-Ótimo, então trás minha mãe de volta.
-Não me faça pensar nela, por favor, eu me arrependo tanto.
-Tudo certo, não faço. É só se levantar, e dar sete passos em minha direção. E então você está fora da minha casa. Simples, acha?
-Não é simples assim. Não custa nada me entender filho.
-Não me considere seu filho. Se eu não posso ter mãe, pai eu também não posso.
-Veja ou melhor ... Imagine tudo o que nós poderiámos fazer. Fazer juntos. Em grupo como um só. Lembrando os velhos tempos.
-Velhos tempos? Quando minha mãe era viva? Não preciso de você para isto.
-Certo. Eu te entendo, vou tentar conversar com sua irmã. Ela é mais compreensiva. Mas antes queria te entregar algo.
-Não quero nada seu.
-Não é meu. É seu. Lembra daquela corrente de ouro que você ganhou da sua mãe? Seus irmãos todos queriam uma daquela? Então eu tomei de você e disse que ninguém ia ganhar?
-Lembro. O que tem ela?
-Escondi ela na árvore de goiaba. Está entenrrada. Era o único jeito de esconder dos seus irmãos. Evitei as brigas. E nunca a encontrariam, pois estava enterrada bem no fundo. Eu ia entregar a você naquele dia. Pena eu não ter lembrado. Passaram-se 34 anos, e quando saí da prisão, sem pestanejar fui para nossa casa antiga, aonde a Manuele mora e peguei sua corrente. E aqui está ela. Só queria me sentir um pouco mais aliado em nossos negócios.
Comecei a chorar. Foi o último presente que mamãe me deu. Pensei que foi mais um ato covarde do meu pai. Mas não. Abracei ele por cinco segundos, e então veio a mente os momentos horríveis que passamos juntos. Os atos demoniácos, sem explicações, sem nexo, sem fluxo de bom senso. Foi então que abri a porta que havia fechado. E pedi que ele fosse embora. Afinal eu realmente não tinha motivos nem forças para vê-lo em minha frente. Foi embora, disse que me amava. Gritou que me amava. Berrou que me amava. Três vezes. Sentei no chão usando a porta como encosto. Coloquei minha corrente no meu pescoço. Arrumei as malas e fui ver o mundo. Foi então que eu comecei a viajar. Foi então que comecei a destribuir coerências. Ver o mundo. (Des)cobrir o mundo e as emoções que pairam a todo instante neste. Foi então que descobri que o mundo era mesmo gigante. Foi então que esqueci por um segundo quem eu era. E isso é um clichê. E sabe porque dedico Vivas ao Clichê? Porque os personagens do clichê tem uma mãe, e um pai que não é assassino (...)