sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Ganhei, perdi.

Minhas tardes sempre foram inúteis, eu não tinha nada a fazer em tais momentos, de um lado, um sol causticante derramando sobre mim que me deixava acompanhado de um tédio que me consumia como um alimento mergulhado em coca-cola. E por outro lado filosofias mentais, meus pensamentos pujantes sobre os meus últimos dias, e (re)flexões intelectuais sobre o que eu tinha para me decepcionar, os momentos e aqueles segundos que pareciam mais que o normal, normal este que eu mal fazia memória de o quê realmente era. Sempre me perguntei sobre os meios. Afinal, todo mundo fala sobre os lados e esquecem os meios. Talvez seja o mais importante. E com a  TV ligada eu ouvi um anúncio de cine trabalhista. Sabe, trabalhar é muito bom. Serve para ganhar dinheiro e usar o tempo. E o trabalho era de cozinheiro. Eu adoro cozinhar! Resolvi ir procurar.

Quando cheguei no cine, encontrei uma garota de saia preta e blusa branca, com o cabelo preso. loira  de olhos quase brancos de tão claros. Logo a perguntei:
-Boa tarde Senhorita, meu nome é Sílvio, meu pai tinha um restaurante, aprendi tudo o que sei com ele e queria saber sobre o emprego de cozinheiro.
-Boa tarde Senhor. Certo, aqui diz que você precisa ter um curso técnico, se você não ter, tente mostrar o que sabe, dizem que o dono deste restaurante é bem humano. Aqui está o endereço.

Eu não podia perder. Meu pai sempre me falara que cozinhar era o melhor remédio, e eu não sabia de qual problema. Agora já, o tédio. Peguei o endereço e fui sem demora para este restaurante. E quando cheguei vi uns cinco mendigos comendo na porta de trás deste restaurante. Logo pensei, se meu futuro patrão é solidário, então vamos nos dar certo.
Até hoje eu vivia a base de minha pequena fazenda, minha mãe deixou ela pra mim. Eu plantava, colhia e cuidava de todos os animais. Vivia a base de meus próprios produtos e todos meus impostos já estavam pagos. Todo sábado eu escolhia algumas verduras bonitas e as levava para feira e dava a quem precisava já que eu não precisava de dinheiro. Na verdade eu sou fanático pelo escambo, deixa tudo original e real. No meu caso eu troco coisas por sorrisos.
Ao entrar no restaurante, procurei pelo dono. Me disseram que ele estava numa casa lotérica, e então eu fui nesta casa lotérica.
Chegando lá, um anuncio gigante com uns cinco ou seis zeros vermelho e azul. E encontrei também o Mac, o dono do restaurante, (re)conheci ele  pela camisa vermelha de desenho amarelo, logo o chamei.
-Você é o Mac?
-Sou... E você? É quem?
-Sou o Sílvio, quero cozinhar para você, isso vai me livrar do tédio.
-É, temos muito trabalho no meu restaurante, mas se quiser ganhar algo vai ter que trabalhar bastante.
-O que eu vou ganhar?
-Salário...
-Ah, certo... A moça me disse que eu preciso de um curso técnico, mas eu não tenho... Porém cozinho desde  os oito anos, aprendi com meu pai, que era dono de um restaurante.
-Meu caro, não posso te registrar sem um curso...
-Deixa eu cozinhar para o senhor, vai que você gosta.
-Ok, então vamos. Espere, vou só fazer uma aposta.
-O que é uma aposta? Não sei sobre estas coisas... Minha mãe disse que seria bom para mim.
-Você não sabe?! Aposta é um investimento ousado. Você escolhe algo, dá uma certa quantia em dinheiro e se ganhar você ganha dez, vinte vezes o seu valor de investimento.
-E é fácil ganhar?
-Não... depende de sorte.
-Eu não tenho dinheiro, pode me emprestar? Quero apostar naquela da porta que tem um monte de zeros. Depois desconta do meu salário.
-Aquela é complicadíssima de acertar. Mas é a mais valiosa. Claro que pode apostar, não é tão caro assim, é só difícil de acertar.
-Certo, como eu faço?
-Escolha seis dezenas e as marque no papel.
-Certo, quero 05-21-30-40-41-53. Vou marcar.
-Ótimo, agora você leva para o funcionário do caixa e entregue junto este dinheiro. Ele vai te entregar um cupom. Se você ganhar use ele para pegar o prêmio.
-Obrigado senhor, foi divertido.
-Não tem de quê, sou apaixonado por números, e apresentar essa paixão a alguém é gratificante, vamos ao restaurante?

Esse Mac me lembrava alguém, era divertido, usava um chapéu dourado e redondo, botas pretas e tinha um olhar de vigarista do bem, se é que isto existe. A questão é que ele me apresentou o mundo capitalista, que é um mundo normal onde o rei não tem vida própria, ou tem? Não faz diferença, no dia eu não parava de pensar e repensar se eu ia ganhar, isso sim tirava meu tédio. Se eu ganhasse eu ia comprar uma outra fazenda gigante para a minha irmã a do Barão Van Frank. um velho amigo do meu pai, mas que recusou de qualquer maneira vender a fazenda por um preço bom, se eu ganhasse daria todo o prêmio por ela.
Minha irmã  morava na minha fazenda, só que em outra casa, eu amo minha irmã porque ela é inteligente e dedicada e linda. Não entendo se certo era definir minha irmã como feia, afinal é isso que ocorre na TV. Os irmãos brigam e se xingam e depois dizem que não querem mais conversar entre si. Tanto faz, a TV é um (passa)tempo impresso em cores e som. Depois fomos ao restaurante, e lá eu cozinhei para o Mac ver, ele gostou da minha comida e disse que eu podia trabalhar com ele, desde que eu fizesse meu curso de gastronomia neste período. Voltei pra casa e comecei a pensar.
Nunca pensei que sair do tédio era tão fácil, depois disto eu posso até escrever um livro. Ou não?  Hora de ser fã de particularidade. Particularidade é algo como especialidade, significa que o seu muito não passa de pouco, é bom. Tudo fica especial, lembrando que tudo é nada. Particularidade intima a (con)tradição e faz da mesma importante.
"Hora de dormir, hora de sonhar. Sonhar é um exemplo de efetividade, que eu não vou explicar o que é afinal é triste. Como eu ia dizendo, hora de dormir. Dormir, refletir minhas ilusões deste mundo num outro que é exemplo pleno de particularidade."
Escrevi isto num papel qualquer, quando eu era criança eu tinha uma professora particular que me ensinou a escrever e pensar. Depois ela me deu um diploma  e disse que agora era hora de aprender sozinho. Professores são seres humanos que tem o dom de (in)constância. E quando acordei fiz o café e chamei minha irmã, ela sempre come na minha casa. Sentados à mesa eu falei da novidade.
-Sophie, não sabe da novidade, eu vou trabalhar.
-Onde? Como assim? Você não precisa trabalhar.
-Preciso sim, tenho muito tédio, e trabalhando só sobra espaço para voar, eu vou ser cozinheiro sabia? Cozinheiros tem que saber voar.
-E onde é que vai trabalhar? Num restaurante?
-É! O dono chama Mac, e tem um chapéu legal.
-Está bem, espero que divirta-se, mas tome cuidado.
-Mas é claro! Ah! Tem outra coisa, eu fiz uma aposta. E quando eu ganhar vou te comprar o sítio do Barão Frank, ele não quer aquelas terras mais, e você ama elas.
-Irmão, você é louco, não dá pra ganhar com uma aposta como dá para piscar os olhos ou morder os lábios.
-É só acreditar, acreditando tudo pode ser verdade, tudo teria sido diferente  se você acreditasse em minhas verdades não acha?
-Errado!  Vamos tomar café.
Depois do café eu fui para o meu trabalho, Mac disse que eu estava três horas adiantado e então eu fiquei conversando com um garoto lá, ele disse que tinha apostado na loteria também e que se ganhasse ia comer muito, então eu o convidei para comer comigo hoje a noite, depois ficamos traçando planos sobre o que aconteceria se nós dois ganhássemos e mais tarde sobre o que ele ia ser quando crescer. Foi então que o tempo passou, eu fui para o trabalho e aprendi que no restaurante se faz muita comida, e tudo se multiplica por 20 ou mais. Cozinhar envolve sentimentos, significa que você precisa sentir que está bom, pronto, legal, comestível, adorável e por ai continua.
Faltavam três dias para aquele sorteio acontecer, eu achava que ia ganhar, sempre confiei em minha mente. Melhor que trabalhar no restaurante era mesmo pensar, construir bases de sonhos trancados comigo e cercados com uma cerca elétrica. Minha (polar)idade intelectual não estava nada (ex)cêntrica. Acho que sempre tive esse complexo cheio de filáucia, em mim. Mas sem exagero, eu diria. A ansiedade assumia o comando das palpitações do meu corpo. Corações servem para isso mesmo.
Os dias passaram, minha irmã, Mac e Juan, (um cozinheiro mexicano do restaurante) sempre riam de mim, diziam que era impossível ganhar numa dessas, e que quando ganham acaba morto por inveja. Minto, o Mac não ria de mim, afinal ele também apostava. Eu passei esses três dias no centro de uma roda de observação, de um lado, o palpite concêntrico dos meus amigos de verdade, e de um outro, minha mente vagando em isonomia à lei de sorte.
Finalmente, o dia do sorteio, naquela época estes eram feitos para todo o público ouvir, e os alto falantes que ficavam pelos postes de luz se ligavam e todos ficavam a par da graça do novo "sortudo", eu diria. Eu vi muita gente com cupons de participação na mão, fiquei com medo de não ganhar, meu coração começou a palpitar forte, até que a voz começou a sair do microfone.

"Boa tarde ouvintes, pontualmente às 12:00 iniciamos nosso sorteio final, ressaltamos que este sai de qualquer maneira. E se, ninguém acertar o prêmio será fracionado aos acertadores de quatro e cinco dezenas. Boa sorte aos participantes, em quinze minutos o sorteio iniciará. Um abraço."

Tempo para (res)pirar, o desespero voava em mim como se quisesse examinar minha consciência. Eu me sentia voando no centro da Terra, e acho que nesta analogia a Terra era um mundo de surpresas. Mágico! E neste rápido espaço para pensar, os quinze minutos se passaram, estranho, deveriam ser os mais longos. Logo o locutor começou:

"Atenção para os números do concurso 4021:
Primeira dezena: 30
Segunda dezena: 05
Terceira dezena: 06
Quarta dezena: 40
Quinta dezena: 27
e Sexta dezena: 53
O sorteio teve apenas um vencedor, pedimos que o mesmo venha até alguma de nossas lojas retirar seus seis milhões de florins."

Como assim? Eu não ganhei, não entendia, entrei em desespero, eu tinha que ganhar. Pensando nestes momentos triste, ouvi Van Frank. gritando "Ganhei" três ou quatro vezes e depois "Vou me mudar para a capital, claro que vou." Logo deduzi que ele havia ganhado o sorteio. Ele percebeu meu semblante de tristeza e passou a ser sentimentalista.
-Querido filho de Ralf, eu ganhei este sorteio, estou rico para sempre. Olha, que sorte.
-É, e agora? Vai se mudar? - Disse para não mostrar minha tristeza.
-Vou, para a capital, quero montar algum negócio lá.
-Certo, e agora porque não nos vende a sua fazenda? Ainda temos aquele baú do papai.
-A fazenda é sua, não me pague, feliz aniversário, seja quando for o seu.
-Barão, eu... eu... muito obrigado.
-Não tem de quê, vou sair daqui, não quero morrer, vamos comigo até a fazenda.

O Barão nunca foi sentimentalista, nunca deu nada, e era muito mal com todos. Dizem que o dinheiro muda as pessoas, e é por isso que não me envolvi com ele. Meus sonhos se realizaram e agora eu vivo feliz. Afinal, sonhos servem é para escrever metas, estou certo?